O Espelho e o Vampiro {e o caso Avianca}

E a história se repete. Mais uma vez eu, uma nordestina, sou ofendida por alguém que não valoriza a minha região. Alguém que é tão brasileiro quanto eu, que provavelmente corre para cá durante as férias para aproveitar o calor – o humano e a temperatura alta – mas que, ainda assim, insiste em atacar verbalmente os nordestinos.

Eduardo Pfiffer nunca me dirigiu a palavra. Até hoje à tarde eu não fazia ideia de quem ele era. Talvez tenha voado sob seu comando alguma vez, mas só hoje tomei conhecimento de sua pessoa, e por um fato que preferia não tê-lo conhecido. A ofensa não foi para mim diretamente, e Eduardo pode até não ser uma má pessoa, mas bastou um comentário infeliz para que as palavras ecoassem pelas redes sociais e gerassem animosidade pelos nordestinos e por aqueles que defendem, acima de tudo, o respeito pelos seres humanos.

avianca

Muitos foram aqueles que rebateram o triste comentário de Eduardo {que tentou se retratar posteriormente e que inclusive fez com que a Avianca se pronunciasse oficialmente sobre a declaração}, dentre eles um colega de longa data, amigo que fica mais perto através do Facebook, pessoa extremamente sensata e portadora de altas doses de humor ácido. O texto que Aerton publicou na rede social me inspirou a publicar sobre o assunto no blog, ora para mostrar um pouco a minha tristeza com tal maledicência, ora para manifestar o oposto do que Eduardo prega sobre nordestinos. 

O Espelho e o Vampiro (por Aerton Calaça)

Lá vamos nós outra vez. Eu não me orgulho de ser Nordestino da mesma forma que não me orgulharia se eu fosse Sulista ou Sudestino ou Nortista ou do Centro Oeste. Eu não me orgulho de ser Brasileiro. EU ME ORGULHO DE SER GENTE. E de ser gente do bem. Que ama o bem. Que pratica o bem. Que vive o bem.

Alguém, séculos atrás, teve a brilhante ideia de separar o Brasil por regiões: ‘índios e selvagens’ na Região Norte; ‘pobres e analfabetos’ na Região Nordeste; ‘ricos e elitizados’ na Região Sudeste; ‘europeus’ na Região Sul e ‘nem um nem outro’ na Região Centro Oeste.

Tudo funcionaria maravilhosamente bem se cada região fosse separada das demais por grandes muralhas, como a Muralha da China. Acontece que alguém ‘rico e elitizado’ apaixonou-se por um ‘índio e selvagem’, que apaixonou-se por um ‘pobre e analfabeto’, que apaixonou-se por um ‘europeu’, que apaixonou-se por ‘nem um nem outro’, que apaixonou-se por um ‘rico e elitizado’. E graças às paixões desenfreadas, nasceu o país mais miscigenado do planeta. E como isso é bonito. A miscigenação é, para mim, a coisa mais bela que um país como o Brasil pode carregar na sua identidade: a falta de identidade racial. Não somos brancos, não somos negros, não temos olhos azuis, não temos olhos pretos… mas carregamos no nosso peito um estigma que mata de vergonha silenciosamente: o preconceito contra quem vem de regiões ‘menos favorecidas’ do país praticado por quem cresceu ouvindo dizer que o Sul e o Sudeste são os melhores lugares para se morar no Brasil.

Foi lá que nasceu Mayara Petruso. Em 2009 ela conclamou os moradores de São Paulo a matarem um Nordestino afogado pelo bem do país. Foi lá também que nasceu Eduardo Pfeiffer, piloto da Avianca. Em suas horas de folga em algum lugar do Nordeste, em Março 2014, sentiu-se profundamente irritado pelo serviço de um restaurante que ele considerou ‘porco, nojento, medíocre e escroto, como tudo no Nordeste’. Foi na região de ‘ricos e elitizados’ que nasceram Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá. Em 29 Março 2008 eles atiraram a pequena Isabella Nardoni, de apenas cinco anos de idade, da janela do quinto andar do prédio onde moravam. Da região de ‘ricos e elitizados’ também vem Suzane Louise von Richthofen. Em 2008 ela planejou a morte dos pais para ficar com a herança milionária. Ainda da mesma região vem Jorgina Maria de Freitas Fernandes, responsável por uma das maiores fraudes do INSS. Posso ainda citar o médico Roger Abdelmassih, que sedava e estuprava as suas pacientes. Ou a procuradora Vera Lúcia de Santana Gomes, que, em 2010, adotou uma criança de apenas dois anos de idade com o objetivo de torturá-la. E que tal a cadelinha que foi enterrada viva? E a Assistente de Serviços Gerais que teve o seu corpo arrastado pelo carro da PM?

Lá das bandas da Região dos ‘europeus’ vem Genoir Bortolosso. Em 2011 ele encomendou a morte da própria filha para ser beneficiado pelo seguro que a mesma havia feito. Ou Oscar Gonçalves do Rosário, que estuprou e matou uma pequena garota no tanque batismal da Igreja Adventista do Sétimo Dia, em Florianópolis, em 2010.

Coincidência ou não, Eduardo Pfeiffer, o piloto da Avianca, é natural de Blumenau, SC. Foi lá, em 2011, que os céus derramaram uma enorme quantidade de água que destruiu centenas de casas e deixou milhares de pessoas desabrigadas. Os Nordestinos ‘pobres e analfabetos’ doaram alimentos e roupas.

A Boate Kiss, na cidade de Santa Maria, RS, foi palco da maior tragédia em uma casa de shows da história do país e a terceira maior do mundo. O incêndio na madrugada de 27 Janeiro 2013 consumiu 242 vidas. Dois meses após a tragédia, o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), localizado no estado do Pernambuco, doou todo o seu estoque de pele para as vítimas da tragédia. Foram 2.500 centímetros cúbicos de pele.

É engraçado dizer que o Nordestino ‘pobre e analfabeto’ come carne de calango para sobreviver mas não é engraçado dizer que o Sudestino ‘rico e elitizado’ e o Sulista ‘europeu’ tomam sopa de bala perdida mas não têm o mesmo destino.

É justo apelidar e estereotipar o Nordestino ‘pobre e analfabeto’ de cabeça chata, de ignorante, de inútil, de esfomeado mas é crime dizer que o Sudestino ‘rico e elitizado’ e o Sulista ‘europeu’ estupram a vida e mancham a nossa cidadania de sangue diariamente.

Enquanto isso, ainda corre por aí um movimento separatista que defende que o Nordeste seja separado do resto do país. Eu seria o primeiro a votar a favor caso um plebiscito fosse realizado para tal fim. Mas com uma grande ressalva: o Brasil foi descoberto no Nordeste, precisamente no litoral da Bahia (ainda que alguns historiadores defendam que a descoberta aconteceu no litoral do Rio Grande do Norte). Sendo assim, ‘Brasil’ continuaria sendo o nosso nome. Acho que é isso que tanto incomoda os ‘ricos e elitizados’ e os ‘europeus’.

Parem de sugar a sua própria cidadania. Parem de ser como um vampiro que não consegue enxergar o próprio reflexo no espelho. O Nordestino ‘pobre e analfabeto’ incomoda porque nós somos o verdadeiro Brasil.

aerton-post

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4 comments Add yours
  1. Oi, achei seu site procurando opiniões sobre as maquiagens da HOT (a propósito, bem escassas né?!) mas serviu pra me trazer até aqui! Achei interessante o nome do blog, sou nordestina e achei o máximo! Então parei pra ler, e olha aí, na primeira página já me encantei! Eu não conhecia esse “texto-resposta” ao triste caso do (ex?)piloto da avianca, obrigada por me dar a oportunidade de lê-lo! E parabéns pela originalidade do blog! :)

    1. Agda, tudo bem? Obrigada pelo elogio ao blog, é uma maneira de mostrar que nós não somos roupa de chita e chinelinho de couro. :)
      A HOT é maravilhosa, mas seus pontos de venda são muito escassos mesmo. Até tentei uma aproximação com a marca uma época dessa, cheguei a ter contato com um dos seus administradores (muito atencioso, por sinal), mas infelizmente não foi pra frente. Espero que isso mude!
      Bjossss

  2. Tem uma música do Zé Ramalho gravada por Elba Ramalho que me impressionou muito quando eu era mais nova – acho que se encaixa nesta situação absurda criada por esse cidadão:

    Nordeste Independente
    Zé Ramalho

    Já que existe no sul esse conceito
    Que o nordeste é ruim, seco e ingrato
    Já que existe a separação de fato
    É preciso torná-la de direito
    Quando um dia qualquer isso for feito
    Todos dois vão lucrar imensamente
    Começando uma vida diferente
    De que a gente até hoje tem vivido
    Imagina o Brasil ser dividido
    E o nordeste ficar independente

    Dividindo a partir de Salvador
    O nordeste seria outro país
    Vigoroso, leal, rico e feliz
    Sem dever a ninguém no exterior
    Jangadeiro seria o senador
    O cassaco de roça era o suplente
    Cantador de viola o presidente
    O vaqueiro era o líder do partido
    Imagina o Brasil ser dividido
    E o nordeste ficar independente

    Em Recife o distrito industrial
    O idioma ia ser nordestinense
    A bandeira de renda cearense
    “Asa Branca” era o hino nacional
    O folheto era o símbolo oficial
    A moeda, o tostão de antigamente
    Conselheiro seria o inconfidente
    Lampião, o herói inesquecido
    Imagina o Brasil ser dividido
    E o nordeste ficar independente

    O Brasil ia ter de importar
    Do nordeste algodão, cana, caju
    Carnaúba, laranja, babaçu
    Abacaxi e o sal de cozinhar

    O arroz, o agave do lugar
    O petróleo, a cebola, o aguardente
    O nordeste é auto-suficiente
    O seu lucro seria garantido
    Imagina o Brasil ser dividido
    E o nordeste ficar independente

    Se isso aí se tornar realidade
    E alguém do Brasil nos visitar
    Nesse nosso país vai encontrar
    Confiança, respeito e amizade
    Tem o pão repartido na metade,
    Temo prato na mesa, a cama quente
    Brasileiro será irmão da gente
    Vai pra lá que será bem recebido
    Imagina o Brasil ser dividido
    E o nordeste ficar independente

    Eu não quero, com isso, que vocês
    Imaginem que eu tento ser grosseiro
    Pois se lembrem que o povo brasileiro
    É amigo do povo português
    Se um dia a separação se fez
    Todos os dois se respeitam no presente
    Se isso aí já deu certo antigamente
    Nesse exemplo concreto e conhecido
    Imagina o Brasil ser dividido
    E o nordeste ficar independente

    Povo do meu Brasil
    Políticos brasileiros
    Não pensem que vocês nos enganam
    Porque nosso povo não é besta

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