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Roubadas de viagem: O caminho até Arequipa

Às vezes a gente pensa que todos os imprevistos que poderiam acontecer em uma viagem já aconteceram, mas depois de perder meu cartão de crédito em Cuzco, chegar em Puno às 4:00 sem ter para onde ir, ser recebido em Uyuni às 6:00 na temperatura de -1°C e ter que ficar na praça fazendo hora até o comércio abrir, chega Murphy e prega outra peça. Foi mais ou menos isso que aconteceu em um mochilão que eu e o meu marido fizemos em 2009 para o Peru e Bolívia, e o caminho até Arequipa foi a cereja do bolo.

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O caminho até Arequipa

Havíamos acabado de cruzar a fronteira entre os dois países, saindo da deliciosa Copacabana (lado boliviano) às margens do Lago Titicaca e indo para Puno (no Peru). Como já havíamos passado por Puno antes de ir para a Bolívia, compramos a passagem para ir direto para Arequipa, a 2ª cidade mais populosa do país.

Logo antes de seguir para Arequipa visitamos as Ilhas Flutuantes de Puno.
Também curtimos a deliciosa Copacabana, do lado boliviano do Lago Titicaca.

Emoção no ônibus pelos penhascos peruanos

A emoção começou logo que o ônibus começou a andar. Com meia hora de viagem, enquanto seguíamos pela estrada em ziguezague – e beirando penhascos – o pneu estourou. Embora fosse inverno, o clima estava bom o suficiente para que a gente conseguisse descer do ônibus e interagir um pouco com o pessoal (Rodrigo não fala inglês e só ficava pescando trechos da conversa).

Acabamos conhecendo três ingleses, dois australianos, e mais dois cujas nacionalidades não me recordo e, sendo nós os únicos estrangeiros do busão, formamos uma panelinha de gringos. Um dos australianos era a cara de David, o ex-namorado da Phoebe em Friends, e o outro era idêntico a Rodrigo Hilbert!

Em Machu Picchu a gente ainda não tinha ideia das emoções que estavam por vir.

Conhecem o famoso pinga-pinga das viagens de ônibus? Pois é, estávamos na versão peruana dele. A cada meia hora parávamos em alguma cidade para o pessoal subir, foram pelo menos umas quatro paradas. Era até engraçado observar aquelas mulheres com tranças enormes e suas vestes tradicionais e coloridas, uma delas fincou sua caixa de frutas no corredor do ônibus para usar como assento e lá mesmo permaneceu durante toda a viagem.

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Arequipa, Arequipa, Arequipaaaaaaaaa

Numa dessas paradas, sabe Deus em que cidade, paramos ao lado da ‘rodoviária’, que consistia em um guichê de madeira caindo aos pedaços e uma mulher com as passagens na mão gritando “Arequipa, Arequipa, Arequipaaaaa”. Passados 10 minutos, o busão continuava lá, e a peruana se engraçou justamente com a nossa janela para ficar gritando. Mais 10 minutos e nenhum sinal de que íamos partir, e a mulher ainda mostrando toda a sua potência vocal. A graça já tinha acabado, e tudo o que eu queria era encontrar uma palavra em espanhol para mandar ela pegar as passagens para Arequipa e enfiar no… bolso, mas o máximo que consegui dizer foi um “shut up!”.

Chama a brasileira!

Saímos dessa cidade dos infernos meia hora depois, e tudo o que eu queria era um chá de coca misturado com camomila para poder dormir e só acordar em Arequipa. Mesmo sem o chá, consegui cochilar e despertei cerca de uma hora mais tarde sentindo o ônibus parando em outra cidade. Entendi que não era mais uma parada convencional quando uns peruanos e o sósia de Rodrigo Hilbert passaram aflitos por nós carregando David desmaiado.

De tão impressionada eu mal consegui me mexer, fiquei só observando os passageiros e curiosos correndo para dentro do precário posto de saúde de beira de estrada. Eu e Rodrigo (não o Hilbert, o meu marido) ficamos dentro do ônibus esperando que retornassem, mas quando olhei de relance em direção ao posto de saúde vi o pessoal correndo em direção ao bus e acenando. Sem entender nada a princípio, me dei conta de que estavam requisitando a minha presença quando ouvi um dos ingleses dizer “chama a brasileira, que ela fala inglês e espanhol”. Gente, eu gelei!

Quando entrei no posto me vi rodeada de pessoas daquelas feições indígenas tão peculiares a me observar, e só consegui distinguir o médico por causa do jaleco branco e por se apresentar como tal. Eu de intérprete traduzia para o inglês cada pergunta que o Dr. Índio fazia para o australiano, que por sua vez devolvia as respostas e eu as traduzia para o ‘portunhol’ {socorro, eu não falo espanhol!}. Acho que ninguém percebeu minha tremedeira, muito menos o meu marido, companheiríssimo, que ficou dentro do ônibus enquanto eu torava o aço lá dentro. Meia hora depois eu, David (enfim recuperado) e o resto da turma Puno-Arequipa voltamos para o bus.

Fazer amizade faz parte da vida do mochileiro, seja dentro do busão para Arequipa ou jogando futebol em pleno deserto de sal.

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Maradona is in the bus

Pensei mesmo que nada mais ia acontecer, já estava até conseguindo respirar com calma, quando, do nada, sobe um vendedor a cara de Maradona vendendo cápsulas naturais de remédios que serviam para problemas estomacais, câncer e memória. Sim, tudo em uma só cápsula! Infelizmente essa não era a única, e ele fez questão de explicar a eficácia de todas – uma por uma. Evitei contato visual e comecei a falar português com meu marido, assim Maradona perceberia logo que não entendíamos a língua e nos deixaria em paz.

Chegamos em Arequipa mais de 4 horas depois do previsto, cansados por causa da altitude e emocionalmente abalados. Não tínhamos hotel para ir, mas o Guia do Mochileiro na América do Sul me dava alguma orientação do que buscar.

Sai da minha cola!

Na hora de pegar a mochila no bagageiro os gringos fizeram fila atrás de nós esperando eu decidir o hotel para irem todos no embalo conosco. Mandei Rodrigo pegar correndo as nossas mochilas na tentativa de despistá-los, mas Rodrigo Hilbert e David acabaram nos alcançando. Quatro tentativas depois de rodar no táxi buscando acomodações, enfim conseguimos encontrar um hotel! Tomamos um bom banho e quando estávamos saindo para jantar, a recepcionista nos olhou sorridente e disse que ia ligar para os nossos ‘amigos’ para eles irem também, só agradecemos e saímos correndo dizendo que encontraríamos com eles depois. No dia seguinte, tomamos café bem cedo e fizemos o check-out para ir para a casa de um amigo, e não tivemos mais notícias de David, de Rodrigo Hilbert, nem de nenhum outro passageiro dessa inesquecível bus trip.

Dica: pague mais caro em uma passagem, mas preserve a sua saúde mental!

Até hoje, quando estou sozinha, consigo ouvir gritos estridentes dizendo  “Arequipa, Arequipa, Arequipaaaaaaaaaa”.

O vulcão El Misti não entrou em erupção, mas quase explodimos com a “chicha”, uma bebida que parece uma mistura de cerveja e vinho. Abaixo, a praça central de Arequipa.

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