Ícone do site Oxente Menina por Ana Lu Fragoso

A menina que rebolava

“Olha só que safadinha”. Esse foi apenas um dos comentários no vídeo de uma menininha rebolando que circula pelo Facebook essa semana. Dançar não tem nada de mais, afinal de contas todos os dias vídeos de bebês fofinhos e crianças engraçadas circulam pela rede, e todo mundo acha lindo, curte e compartilha, não é? É sim. Mas esse é um pouco diferente.

Aparentando uns dois aninhos, e ainda usando fraldas, os gestos embalados pelo ritmo caribenho que contagia e envolve a criança são de fazer corar. Mas só a mim, pelo visto. Os parentes da criança que também aparecem no vídeo parecem não sentir nem um pouco de vergonha vendo a menina descer até o chão. No embalo, a garotinha segue sua performance estimulada pelo ritmo das palmas de umas seis pessoas que também estão no vídeo, em sua maioria adultos. Não obstante, a pessoa que filma faz questão de registrar o talento da garotinha dando zoom no seu bumbum de fralda no momento do rebolado. “Ah, que bonitinha!”, alguém comentou em meio aos mais de 1500 compartilhamentos que o vídeo oficial teve até o momento em que eu escrevia esse texto.

Não estou contestando a inocência dessa criança, nem contradizendo o seu molejo {basta ver o vídeo para comprovar que a menina tem ritmo}, o que me choca é que a família incentive e ainda divulgue esse conteúdo nesse mundo cão em que vivemos, onde a cada dia as notícias de pedofilia, violência e exploração infantil enchem nossos olhos de horror. Não é bonitinho não, gente, é chocante!

“Quanta hipocrisia! Você nunca dançou o Tchan?”, alguém retrucou na fanpage do Oxente Menina quando postei o vídeo abrindo espaço para a discussão. Para mim não tem nem comparação, uma vez que essa banda com músicas de duplo sentido estourou quando eu já estava no início da minha fase adulta. Não fui incitada pelos meus pais a dançar sensualmente quando criança, nem estimulei as crianças da minha família a fazerem dancinhas que ficam de quatro enquanto rebolam. A educação que recebi e que tento passar para o meu filho pode não ser 100% certa, mas dentro dos valores educacionais da família, criança tem que viver a fase de criança, ouvir e dançar música de criança. Simples assim.

“E depois ninguém sabe porque foi mãe adolescente”, uma outra pessoa pontuou. Vamos lá dar as mãos e tentar entender, amiguinhos. Não estamos afirmando que essa criança vai ser mãe logo cedo por falta de orientação familiar. Nada, nada mesmo, vai garantir que essa criança tenha um filho aos 14 anos. Simplesmente não temos como prever. Pode ser, inclusive, que a menina que rebola tenha uma educação exemplar em casa {não sabemos como é a vida que ela leva fora desse vídeo}, talvez aos 16 ela se mostre um prodígio e entre na faculdade de medicina, quem sabe ela um dia seja a cientista responsável pela cura do câncer e decida só ter filhos após os 35. Só Deus sabe. Mas dentro do que nos está sendo mostrado, e diante das estatísticas que não só conhecemos como fazemos parte, o indivíduo é reflexo da educação que recebe. E se aos dois anos fazer danças vulgares é visto como normal e inocente, que futuro esperar para ela? Torço para que essa tempestade se transforme num pingo d’água, e tanto família quanto bebê tenham uma vida plena e feliz dentro de suas escolhas.

Se me permitem dar uma dica – e isso vale para todos nós – quando pairar a dúvida entre o que é engraçadinho e o que é vulgar, prefiram não divulgar na internet. E falando em vídeos, tem uns da Galinha Pintadinha que as crianças adoram…

Em tempo: 1) O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) está acessível para qualquer cidadão;  2) O site da Fundação Promenino tem ótimo conteúdo para informação e pesquisa; 3) Descobri o vídeo a partir de um compartilhamento pelo perfil de Sarah; 4) Achei melhor não postar o vídeo no blog para não dar mais margem a compartilhamentos, e optei pelas fotos em que o rosto da criança não aparece para não expô-la ainda mais do que o compartilhamento do vídeo no Facebook já fez; 5) O texto reflete a minha opinião sobre o assunto, ninguém é obrigado a concordar com meu ponto de vista.

Comentários do Facebook
Compartilhe:
Sair da versão mobile